terça-feira, 11 de dezembro de 2012

matutinus


Exausto me deito. Na velha e costumeira tradição das mãos sob a cabeça e sem pés para fora do cobertor. Um leve aperto no peito incomoda o descanso e me viro para o canto. A terrível sensação de não estar só é perturbadora e a certeza quando algo me toca é amedrontador. Um assobio chama dentro de mim até o mais velho e esquecido trauma de uma enterrada infância, um ronco estrondoso paira sobre o ar e de madrugada ao acaso um menino chora. Chora como uma corneta, como quem me avisa o que há por vir. E na janela o medo me observa e espera. Os balbucios tomam o silêncio do meu quarto e fazem da quieta madrugada um show de horrores. Tantas vozes, tantos sons, incompreensíveis apelos dos que deixei por aí, dos que esqueci por aí. Tenebrosos passados que ousam fazer-se presente. São gritos desesperados de vozes que nunca ouvi, de vozes que nunca quis ouvir. A fria madrugada esquenta o medo que sinto. A fria madrugada queima a última coragem que restou em mim e eu fujo. Fujo de passos que me cercam e me encurralam entre as paredes desse labirinto que minha casa se tornou. Cansado eu desisto e no chão me refugio. Meus ouvidos lutam contra os sons que me rodeiam e me prendem as pálpebras que por medo se fecham e por haver desistido não se abrem mais.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Piel


Devoram-me os ácaros;
Saboreando cada imundo espaço desse meu corpo podre de tantas nupcias e desejos mal resolvidos.
Devoram-me ao dia, no pouco que lhe resta,
pois à noite, meu amor,
à noite me sujo cada vez mais.
Provam em mim a mais completa mistura de raças e crenças e luxúrias.
Provam em mim os mais exóticos perfumes, os quais se resumem no exalar de pura vaidade.
Provam do suor, da paixão, de tantos toques que vem em vão.
Provam das promessas aqui deixadas. Provam das lembranças aqui lembradas.
Provam.
Reprovam.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Fool Childhood


Às vezes me calo por medo.
Às vezes eu falo por medo.
Às vezes me perco em desejos.
Às vezes por desejos me perco.

Às vezes, mas só às vezes, me apaixono.
E nessas vezes eu sonho. Eu sonho tão alto e grande que penso ser impossível. E no impossível desanimo. E no desânimo sinto medo. E no medo me calo.
É nesse silêncio que lembro do sonho. E no sonho havia você. E com você eu falo. E eu falo por medo. Medo de perder você.
É nesse medo que percebo. Percebo o quanto quero você. E nesse querer me perco. Me perco no desejo de ter você.
É por tanto desejar que eu estou assim. Perdido. São tantos e tão intensos desejos que me perco na ilusão de que estamos juntos. E como uma boba criança, penso ser realidade minha fértil imaginação.
Só quero que saiba que criança não e tola. Criança é aquilo que todo adulto quer ser: confiante. Criança tem aquilo que muito adulto já perdeu: esperança.
Então me deixa, me deixa ser criança. Quem sabe, quem sabe, minha esperança e confiança ainda sabem me trazer os meus desejos como na imaginação dos meus velhos tempos de infância.


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Correio do Amor



Dia e noite procuro meios, palavras e ações que possam, talvez, expressar uma fração dessa louca paixão que me consome o peito. Essa doce paixão que tira de mim qualquer ato racional e põe-me como um frágil animal que precisa dos teus cuidados.
Esse teu sorriso meigo que mexe em mim secretos desejos. A doçura de tua voz que me encanta como marinheiros diante de sereias. Esse teu rosto, teu corpo desenhados pela mais delicada mão acompanhada do mais macio pincel.
És para mim como musa que vejo e não posso me aproximar. Que desejo e não posso ter.
Não desisto e confio que no acaso da vida ainda vou achar uma maneira de tê-la para mim. Enquanto isso eu aproveito, sozinho, essa noite fria de São João sem você por perto aquecendo meu coração.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

À Noite



Hoje acordei meio assim, meio perdido. Confuso e alucinado com seu cheiro que ainda paira no ar de meu quarto como se não percebesse a janela aberta. A cama ainda quente não engana minha mente com um mero sonho. E é por isso que escrevo. É por isso que lhe escrevo essa carta. A confirmação de uma noite de luxurias que deixou seu aromado cheiro do mais selvagem toque pelos corredores dessa escura e sozinha casa. Cujos vizinhos, certamente, no íntimo de seus quartos e silêncio de seus atos acompanharam-nos até o suportável de seus corpos fracos. O bule ainda quente entrega a hora de sua saída, mas a sua íntima sobre o sofá mostra que você irá voltar. Voltará para comigo, no banheiro, de novo amar. Para secarmos a água no ferver de nossos corpos incansáveis, insaciáveis. No auge de nossa idade invejamos Bob, o cachorro do vizinho que de longe nos observa da janela sob um olhar vazio. Invejamos anjos e demônios que ao nosso lado observam o ápice do amor e pecado entre jovens amantes. Eu escrevo para reviver a intensidade de seus prazerosos gritos em meio a seu corpo contorcido de prazer. Para tentar, talvez, sentir de novo o balbucio de seus gemidos que as paredes não puderam segurar, nem mesmo o ranger da cama ousou abafar. Entre as nuvens até mesmo a lua se esconde envergonhada. Ela, que já observou o mundo e seus delírios, cala-se diante de nossos atos. Até mesmo o relógio apressa-se em adiantar as horas. Eu escrevo, eu escrevo. Eu escrevo pois na verdade sei que a janela aberta foi, para ti, a saída que não a trará de volta.

terça-feira, 17 de julho de 2012

erit



Há coisas tão somente coisas
que simplesmente nos acostumamos,
sem nem saber, a ignorá-las.
Há coisas que nada além de coisas são.
Há o que nos prende, o que nos rende.
Há tanto a chamar atenção.
Há, simplesmente há.
Há o breve instante de existir,
de estar ali.
Há o simples desejo de amar para ser,
de amar sem poder.
Há o mero desleixo de um coração fraco.
Há o descuido de um menino nem tão comportado.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Apesar



Ah, que mente cansada,
que mente abalada,
que não pode mais pensar.

Ah, que mente invadida,
que mente sofrida,
que não pode mais amar.

Há fantasmas e fantasmas
em minha cabeça.
Há dolorosos gritos que ecoam
a eternidade vaga de minha mente doente.

Há desejo; paixão.
Há amores jogados em vão.

Atordoada e doentia, por ti
minha mente suspira.
Há prazer, loucura e dor.

sábado, 26 de maio de 2012

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Ideia.
Teoria.
Comprovação.
Aceitação.
Pensamentos convergentes a partir de um ponto convincente.
Criação.

Abstrato? Concreto?
Quem disse que a imaginação não da frutos?
Um Universo inteiro em constante mudança.
Um Planeta indeciso.
Já fomos planificados, enquadrados, arredondados;
Por enquanto.
Evoluções de ideias próprias ou plagiadas.
Um mundo criado pela imaginação de Alguém ou alguns.
Uma simples realidade baseada no pensamento.
A insignificante arte do existir ou ser existido;
vivemos, talvez, em uma imaginação infantil, confusa.
Uma infância que brincava com barcos de madeira e fazia suas guerras de trincheiras,
um adolescente em crise com seus mil e um mísseis.
Que adulto há de sermos?
Crer; esperança.
A vida como um imenso teste psicológico.

Um difícil reconhecimento de que não somos o que somos,
somos quem fomos e quem será, será quem somos.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Tic Toc


O dia cada vez mais longo faz-me duvidar da tal Teoria do Geocentrismo e toda aquela coisa sobre espaço e órbita e coisa e tal.
E se somos apenas a ponta do ponteiro de um relógio que parou de funcionar? A luz que não se apaga não me engana.
Seu Zé, por favor, troca a pilha do relógio. Já não aguento mais a luz do dia. Deixa o relógio girar, Seu Zé.
O cão quer dormir; o gato, como eu, vadiar. Aquela moça Seu Zé, eu vou namorar.
Mas se o relógio você não consertar Seu Zé, o ponteiro aqui vai enferrujar, as horas não vão passar e as lembranças, ah Seu Zé, as lembranças hão de atormentar.
Conserta o relógio Seu Zé, deixa o mundo girar e quem sabe pela vida meu amor hei de reencontrar.

sexta-feira, 9 de março de 2012

La Tore


Venha vampirinha,
faz-me tua mesa.
Delicie-se com meu gozo carnal;
aventure-se a descobrir em mim
o melhor sangue que já bebeste.

Toma-me, coma-me.
Coloca-me uma maçã entre os dentes;
amarra-me e faça-me sua refeição.
Como um mero porco em seu banquete, eu sou;
Feito apenas e somente para servi-la.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Saudade


Eu volto ao abismo e não a encontro lá;
Lembro-me bem do local.
Jamais esquecerei tamanho gozo que passei.
Foi lá, foi lá que a joguei.
Impossível esquecer a imagem
de seu lindo rosto deformando-se em gritos;
como se alguém a pudesse ouvir.
Mas eu senti saudade, eu senti
vontade e você não está mais lá.
Agora encontrarei um novo brinquedo,
com ele suprir meus desejos e
entre tapas e desleixos eu vou
pensar em você, pois ouvi-la gritar
fez-me delirar.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Homenagem ao meu avô II

Toda a sabedoria resumida a um folego. Olhos cansados, pulmões abafados; o sono entrega-lhe a idade, a respiração a dificuldade. Silenciosamente me encontro ao teu lado. Eu observo. Cada vem e vai do teu peito e aguardo. Aguardo cada vez mais aflito o momento em que o movimento irá parar. A última lágrima por tuas rugas escorre e se recolhe na externa, cujo tamanho reflete um sábio que também soube ouvir. Tuas mãos posicionadas como quem sabes tua hora; a roupa arrumada revela a vaidade, mas a mensagem deixa claro tua humildade. Eu sonho e resonho, mas não deixo de viver, sei que um dia vou perder você. Eu tento não ver os dias passar, de alguma forma fazer o tempo parar. Ensinaste-me bem e entendo que um dia todos partiremos. Mas impossível seria não estar sofrendo. Eu escrevo, reescrevo e desejo que um dia o mundo saiba sua história. Amo você. Do seu neto, J.P.R.A.